O veneno do filhote de jararaca e a peregrinação de Seu Dandô pela vida

No dia 31 de março de 2025, Seu Dandô, de 77 anos, acordou cedo, tomou café com a esposa Lourdes, de 69 anos, e a filha Nerinha, depois seguiu para a lida diária no campo. A primeira missão do dia, verificar se havia pragas na plantação de feijão, numa área de duas hectares, perto da casa de onde mora no assentamento 8 de Março, em Caraúbas-RN.

Ao verificar a plantação, Seu Dandô foi atacado por um filhote de jararaca. Exatamente por ser nova, o veneno da jararaca pode mortal, se não tomar o soro antiofídico rápido. Começou, assim, a peregrinação de Seu Dandô pela vida, no sistema de saúde do RN, luta que perdeu cinco dias depois na UTI do Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM), em Mossoró-RN.

Quem conta a história ao MOSSORÓ HOJE é dona Maria de Lourdes Vieira, com quem Seu Dandô criou 10 filhos, entre os quais, o borracheiro Valcimar Valentino Vieira, o Lamparina, de 53 anos. Dona Lourdes e o filho Lamparina explicaram, em detalhes, como um homem forte, apesar de seus 77 anos, não resistiu a uma picada de um filhote de jararaca.

Dona Lourdes, com lágrimas nos olhos, disse que acordou cedo, por volta das 6 horas no dia 31 de março, tomou café com o marido e a filha Nerinha – Antônia Valdineira Vieira. Em seguida, Seu Dandô avisou que ia olhar se havia praga na plantação de feijão, no lote de terra da família, que fica perto de casa. “Ele tinha este cuidado diário”, lembra Dona Lourdes.

Pouco tempo depois (cerca de meia hora), Seu Dandô voltou rapidamente da plantação de feijão e foi direto para a casa do filho Lamparina, que fica em frente, avisar que havia sido picado por uma cobra. “Eu percebi que havia algo errado, quando ela passou rápido. A gente sente quando tem algo errado acontecendo”, diz Dona Lourdes.

Seu Dandô, como todo guerreiro do sertão, matou a cobra e a trouxe para casa num saco plástico. Ele mandou o filho Lamparina colocá-la estirada numa estaca no quintal, porque, segundo ele, assim as chances de sobreviver ao veneno desta cobra aumentam.

Lamparina disse que viu pingos de sangue na local da picada da cobra, na sola do pé. Avisou a mãe Dona Lourdes para providenciar roupas rápido, pois precisava levar o pai Dandô para o Hospital em Caraúbas-RN. Segundo ele, mais ou menos de 7 horas, seguiu para o Hospital Regional Dr. Aguinaldo Pereira da Silva. “Estávamos confiando que ia dá tudo certo”, diz.

Chegando ao hospital, Lamparina conta que as enfermeiras deram uma injeção para dor e mandaram ele esperar. “Eles mandaram esperar, pois havia uma mulher com o braço quebrado e os dois seriam transferidos para o HRTM, em Mossoró, na mesma ambulância”, diz Lamparina, que afirma que questionou a médica sobre a demora para ir para Mossoró.

Segundo Lamparina, demorou muito a tudo ficar pronto para a transferência. Quando passaram aqui no assentamento 8 de Março, eu não gostei de nada. Ele estava sufocando, não conseguia respirar direito. Havia outras duas mulheres dentro da ambulância, junto com ele e minha filha Verinha”, diz Dona Lourdes, que ficou aflita com a cena.

Seu Dandô foi recepcionado no HRTM, em Mossoró, e logo começaram os exames preliminares, mas não foi possível ministrar o soro antiofídico. Precisava confirmar o tipo de cobra primeiro, para não incorrer de ministrar o soro errado.

“Nós pegamos a cobra que estava esticada na estaca, botamos num saco, entregamos ao taxista, que meteu o pé para Mossoró e entregou aos médicos do HRTM, já por volta das 13 horas”, conta Lamparina. Com a identificação da cobra, o soro foi ministrado, mais ou menos sete horas depois que Seu Dandô havia sido picado pelo filhote de jararaca.

Segundo Lamparina, Seu Dandô já estava com a perna ficando roxa. Dois dias após internado, Dona Lourdes disse que o visitou e percebeu que era a última vez que o via vivo. “Eu sair desenganada com a cena na UTI no Tarcísio Maia. Ele tava muito mal”, conta Dona Lourdes, olhando para o lado com os olhos cheios de lágrimas.

Dois dias depois, os médicos atestaram que Seu Dandô não havia resistido ao veneno do filhote de jararaca. O corpo foi recebido por uma multidão no assentamento 8 de Março. “Nunca se viu tanta gente aqui se despedindo de um homem tão querido, um homem bom, trabalhador, que me ajudou muito o tempo todo”, declara Dona Lourdes.

A família acusa o Hospital de Caraúbas de não tem o soro para salvar a vida de Seu Dandô e denuncia que demoraram muito a transferir para o HRTM, em Mossoró. Ficaram esperando a senhora com o braço quebrado chegar para dá uma viagem só e isto custou a vida do meu pai”, diz Lamparina, acrescentando que os 10 irmãos e a mãe vão acionar a Justiça.

Outro lado - Direção do Hospital nega negligência

Em contato com o MOSSORÓ HOJE, a diretora Geral do Hospital Regional Doutor Aguinaldo Pereira da Silva, de Caraúbas-RN, Érica Câmara, procurou explicar, mostrando a linha do tempo nos livros de registros que Seu Dandô foi atendido no hospital em Caraúbas.

Ela disse que o livro de registro de entrada no HRDAPS, consta que Seu Dandô deu entrada exatamente de 8 horas e 11 minutos. De 8 horas e 50 minutos, já estava regulado para viajar para Mossoró, com o aceite do paciente. O embarque aconteceu, segundo Erica Câmara, de 9 horas e 12 minutos e a entrada no HRTM ocorreu de 10 horas e 29 minutos.

Erica Câmara disse que entende o sofrimento da família, que ficou muito triste também com a partida de Seu Dandô, muito conhecido e quirido em toda região. Lamenta muito o ocorrido e está à disposição da família e/ou qualquer pessoa para mais esclarecimentos.