29 ABR 2024 | ATUALIZADO 08:33
SAÚDE
DA TRIBUNA DO NORTE
02/08/2015 07:50
Atualizado
13/12/2018 09:32

Apesar da crise generalizada, prefeituras de Mossoró e Parnamirim resistem

?Crise é generalizada e preocupante, diz Francisco José Junior, de Mossoró; ?Grave, muito grave mesmo?, reforça Maurício Marques, de Parnamirim.
Valéria Lima

Vicente Neto

As frases contêm palavras e entonações diferentes, mas todas convergem para um mesmo ponto: a crise econômica que afeta as finanças municipais já produz reflexos no pagamento de salários dos servidores e pode levar cidades ao caos administrativo. Segundo estimativa da Confederação Nacional dos Municípios no período de janeiro a maio, as transferências do Tesouro Nacional para as prefeituras brasileiras, via Fundo de Participação dos Municípios, tiveram uma redução de 2,2%, o equivalente a R$ 1,5 bilhão. "A crise é generalizada e preocupante", diz o prefeito de Mossoró, Silveira Júnior; "Grave, muito grave mesmo", reforça o prefeito de Parnamirim, Maurício Marques; "A situação está insustentável", complementa Ivan Júnior, de Assu.

Silveira, Maurício e Ivan, pela ordem, administram o segundo, o terceiro e o oitavo municípios mais populosos do Rio Grande do Norte. Os três estão na lista dos 10 de maior peso em qualquer indicador econômico ou social do Estado. Até julho, o pagamento de salário dos servidores estava sendo feito dentro do mês trabalhado, mas eles temem que não possam cumprir o compromisso se quadro recessivo da economia permanecer como está ou até se agravar, como preveem os economistas.

Não há um levantamento oficial, mas estima-se que 30% das prefeituras do RN enfrentam algum problema com a folha de pessoal. Ou pagam fora do prazo de cinco dias úteis previsto em lei, ou fracionam o pagamento por categoria funcional, priorizando o quadro efetivo e empurrando para até o mês seguinte os comissionados e terceirizados. Há caso de pagamento com até três meses de atraso. "Nós, prefeitos, somos hoje meros administradores de folha de pagamento", diz Silveira Júnior, que também é presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn).

Com quase 300 mil habitantes, Mossoró tem uma economia que gira em torno da indústria do petróleo, instalada lá no início da década de 1970. O prefeito estima em R$ 5 milhões mensais as perdas que o  município vem tendo em consequência da frustração das receitas provenientes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e royalteis do petróleo. “As dificuldades são muitos grandes. Na hora que você prioriza os salários atrasa o pagamento dos fornecedores. Estamos em atrasados com fornecedores, sim”, diz ele.

Primeiro vice-presidente da Femurn, o prefeito Ivan Júnior lembra que a situação está se agravando e não há perspectivas de melhoras. “Por mais contingenciamento que se faça, por mais medidas que se tome, não vai ter como resolver o problema se o governo federal não rever algumas restrições", diz Ivan, citando como exemplo as emendas parlamentares que foram engavetadas em Brasília. "Os municípios têm hoje uma quantidade considerável de obras paralisadas por falta de pagamento do governo federal. Isso encarece as obras porque na retomada têm de readequar valores.”

Ivan faz uma previsão pessimistas: "Se o governo federal não adotar uma postura diferente, 100% das prefeituras – e não os 30% de agora - vão atrasar o pagamento salarial." A opinião é compartilhada pelo prefeito de Parnamirim, Maurício Marques. Ele lembra que um dos primeiros atos do então prefeito Agnelo Alves, foi mandar confeccionar um calendário anual com pagamento dos salários nos dois últimos dias do mês trabalhado. Quinze anos depois ele admite que, pela primeira vez, o compromisso não poderá ser honrado. “Estamos fazendo de tudo a nosso alcance para que isso não aconteça. A folha de setembro será paga em dia porque ainda temos o dinheiro da última parcela do IPTU, mas em outubro não sei.”

 

Em Parnamirim, as despesas com pessoal já estão beirando o limite máximo de 54% permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo a prefeitura tendo realizado cortes de R$ 600 mil mensais nos gastos com salários e outras medidas como horas-extras e  concessões de diárias. Em agosto, a prefeitura estará às voltas com demandas na Saúde, onde os médicos negociam reajuste nos valores dos plantões. “Em outubro vamos fazer uma nova avaliação. Não descarto a possibilidade de fazer uma redução drástica nas despesas com pessoal”, informou o prefeito.

 

Perdas dos municípios chegam a R$ 54 milhões

De acordo com estimativa de prefeitos que vem acompanhando de perto o problema, como Benes Leocádio, de Lajes, as perdas dos municípios potiguares provocadas pela desaceleração da economia chegam a R$ 40 milhões mensais. “Só nos municípios de coeficiente 0.6 no FPM (com população até 10.188 habitantes), a perda fica em torno de R$ 100 mil mensais”, lembra Benes. Em Natal, essa perda é de R$ 14 milhões/mês, em média, segundo informações da Controladoria-Geral do Município. Este valor não inclui a capital, Natal.

Benes lembra que a queda nos repasses das transferências constitucionais (FPM, ICMS, IPVA etc.) refletem também em menos recursos para a Saúde e para a Educação. “A grande grita hoje é na Saúde. Todas as prefeituras estão tendo de complementar os programas federais para cumprimento do atendimento básico, principalmente o Programa Saúde da Família”, relata Benes.

Ele disse que em função da crise nas finanças, os municípios estão recorrendo a uma espécie de pedalada para pagar os salários. “Na maioria dos casos, as prefeituras pagam o valor líquido - que o servidor ter a receber da prefeitura - e transfere para o mês seguinte os comissionados, as obrigações sociais e o repasse dos empréstimos consignados aos bancos.

O controlador-geral da prefeitura de Natal, Dionisio Gomes, acrescenta mais um dado às dificuldades enfrentadas pelos municípios:  até 30 junho apenas 3% dos valores de convênios celebrados pela prefeitura com o governo federal foram efetivamente repassados. “Aí você pode me perguntar qual é a gravidade disso? A gravidade é que quando fizemos o orçamento consideramos os valores desses convênios para efeito de estimar as despesas. Então, a receita foi frustrada, mas as despesas não. Tudo o que foi programado ali tem de ser executado”, lembrou Gomes.

O atraso de salários é a face mais aguda da crise.  Mas desde o ano passado, os municípios são obrigados a reprogramar investimentos, adiar obras de pavimentação e construção de escolas, engavetar projetos, suspender licitações, reduzir pessoal. As medidas acabam interferindo na qualidade dos serviços oferecidos à população e a repercussão negativa inundando as redes sociais. Nas cidades com melhor acesso à internet, grupos de moradores se organizam para retratar os problemas dos bairros e ruas em que moram. As postagem geralmente são acompanhadas de comentários ácidos de internautas questionando a capacidade administrativa do prefeito da cidade em que moram.

Isso talvez explique por que 37,8% dos eleitores, na média nacional, avaliam como negativa a atuação dos prefeitos (27,3% no caso dos governadores), segundo a última pesquisa feita pelo Instituto MDA para a Confederação Nacional do Transporte . “Quando uma obra é suspensa porque o dinheiro do governo federal não veio, quem leva a culpa é o prefeito”, justifica Ivan Júnior, de Assu.

A saída apontada pelos prefeitos para evitar o caos administrativo nos municípios é um novo pacto federativo. A distribuição do bolo tributário hoje é feita da seguinte maneira: a União fica com 60% do que é arrecadado, os 27 estados com 24% e os 5.562 municípios com 16%.

Na Câmara dos Deputados foi aprovado no final de junho o relatório preliminar da comissão especial sobre o pacto federativo com cinco propostas de emenda à Constituição e sete projetos de lei para alterar a partilha de recursos entre União, estados e municípios. O documento de 58 páginas traz mudanças que reduzem o percentual de recursos destinados à União para ampliar a distribuição de tributos entre estados e municípios.

Uma das emendas aumenta o repasse de impostos federais (Imposto sobre Produtos Industrializados [IPI] e Imposto de Renda) ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) de 21,5% para 22,5%, com elevação de meio ponto em 2016 e o mesmo percentual em 2017.

Outra propõe aumentar de 10% para 12% a parcela do IPI repassada aos estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente às exportações de cada ente. A proposta também reduz o teto que cada estado pode receber da parcela do IPI de 20% para 10%. As alterações podem gerar uma receita anual de cerca de R$ 60 bilhões a mais para estados e municípios.

Na próxima semana, os prefeitos de todo o Brasil montam acampamento em Brasília. Uma delegação de 50 prefeitos vai representar o RN no lançamento da Mobilização Municipalista Permanente na Praça dos Três Poderes, no dia 5 de agosto.

Notas

Publicidades

Outras Notícias

Deixe seu comentário