14 MAI 2024 | ATUALIZADO 23:16
POLÍTICA
Da redação
30/11/2016 08:14
Atualizado
12/12/2018 16:36

"É uma intimidação jamais vista", sobre o texto aprovado na Câmara dos deputados

Por larga maioria de votos, esdrúxulo projeto que criminaliza diversas condutas praticadas no exercício de suas funções, numa nítida e absurda retaliação a ações principalmente contra a corrupção no coração do meio político nacional.
A mudança proposta e aprovada pela grande maioria dos deputados na Lei AntiCorrupção apresentada pelos promotores da Lava Jato com a assinatura de mais de 2 milhões de brasileiros é do deputado Weverton Rocha, do PDT do Maranhão. Com a aprovação, réus poderão processar promotores de Justiça que investiga-lo por corrupção e poderá processar juízes que receber as referidas ações.

Esta mudança, que vai de encontro aos anseios da socieade, acerta em cheio o coração da Lava Jato. Para o promotor de Justiça Italo Moreira Martins, que atua na Vara Criminal e também Eleitoral em Mossoró, a mendida é uma "nítida e absurda retaliação a ações principalmente contra a corrupção no coração do meio político nacional"... ... "É uma intimidação jamais vista", completa o promotor de Justiça.

Segue o artigo do promotor postado inicialmente no Face Book.

Por Ítalo Moreira, promotor de Justiça

"Lei da intimidação". Tire um tempinho, leia com calma o texto, e entenda porque sou radicalmente contrário ao que se aprovou na Câmara dos Deputados
Sob a desculpa de que juízes e promotores precisam ser punidos por seus abusos, a câmara aprovou ontem, por larga maioria de votos, esdrúxulo projeto que criminaliza diversas condutas praticadas no exercício de suas funções, numa nítida e absurda retaliação a ações principalmente contra a corrupção no coração do meio político nacional.

Faço questão de enfatizar os 4 partidos que fecharam questão contra o maléfico projeto: PSOL, PPS, PV e REDE. Alguns dirão: a lei é para todos, não podem ser intocáveis, os que abusam devem punidos... Sabe de nada inocente, esse monstrengo jurídico contém diversos dispositivos genéricos, muito abertos, e que permite aos próprios investigados processar quem os investiga, processa e julga por quase tudo. É uma intimidação jamais vista, mas já esperada, vindo de um grupo que jamais aceitou as recentes ações contra corrupção.

No texto aprovado constam inserções como: abrir procedimento sem indícios mínimos de autoria (os próprios investigados dirão o que são esses indícios para processar?), falta de decoro (objetivamente o que é falta de decoro?), punição quando houver uma atuação política (ora, a maioria dos políticos processados no Brasil dizem que estão sendo vítimas de perseguição política, algo por demais subjetivo), punição quando promotores denunciarem ou juízes condenarem, e em segunda instância os tribunais julgarem que não havia as mínimas condições para a condenação.

Comento mais especificamente esse último ponto, uma vergonha sem limites. Agora quando um promotor for oferecer uma denúncia terá que ligar para os desembargadores antes e perguntar: "e aí vocês acham que tem prova para condenar"? E o juiz quando for condenar terá igualmente que perguntar o que acham os desembargadores? Na prática, o que se visa com isso é nitidamente constranger, tirar a tranquilidade e a independência do promotor e do juiz ao investigar, denunciar e julgar, apenas isso.

E tem mais, ouso dizer que justiça de primeiro grau no Brasil em regra é muito melhor que a de segundo grau, pois nos tribunais qualquer pessoa minimamente bem informada sabe que lá é, em regra, é onde ocorrem bem mais facilmente decisões políticas, pois muitos dos seus membros são nomeados através de indicações políticas.

No direito é natural a divergência, pois não é uma ciência exata, cada promotor ou juiz deve atuar, tal como previsto em lei, com absoluta independência funcional. Em qualquer lugar do mundo decisões de primeiro grau poderão ser modificadas em segundo grau, e isso não significa que a primeira decisão tenha sido absurda e proferida de forma desonesta.

No exercício diário de minha profissão já ofereci várias denúncias que foram julgadas procedentes pelo juiz em primeiro grau, havendo condenações, e em grau de recurso foram modificadas nos tribunais com absolvições, quando se entendeu que não havia provas para condenação. Seria eu então um criminoso por ter denunciado? O juiz seria um criminoso por ter condenado? Pelo projeto aprovado ontem poderíamos sim.

Nunca me vi tão intimidado em minha profissão, uma pena que boa parte da sociedade não tenha se dado conta dos efeitos altamente maléficos desse projeto, e prefira apenas e tão somente nos criticar, muitas vezes de forma pejorativa e sem conhecimento de causa. Com um Ministério Público e magistratura acuados, objetivo maior do projeto, a sociedade só perde. Na prática o projeto fará com que juízes e promotores fiquem intimados quando forem atuar em processos envolvendo políticos, empresários e pessoas mais poderosas, óbvio, pois em relação aos processos em que os mais pobres forem investigados tudo continuará como antes.

Registro que promotores e juízes que agirem de forma errada e criminosamente devem sim ser punidos, até de forma mais rigorosa que outros agentes públicos, mas sob uma lei revanchista e esdrúxula como esta jamais.

E no pacote que se julgava ontem contra a corrupção, o maior destaque foi a aprovação de um projeto nitidamente intimidador, que pune de forma subjetiva justamente quem investiga, processa e julga os corruptos. Esse país parece mesmo que não tem vocação para dar certo!
 

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