O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou recurso contra a sentença de primeira instância que absolveu acusados de irregularidades em contrato de quase R$ 6 milhões, firmado em 2010 pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal com o Instituto Pernambucano de Assistência e Saúde (Ipas).
O objeto era a gestão emergencial da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro do Pajuçara, na zona norte da capital potiguar. O contrato foi firmado por dispensa de licitação e se tornou um dos alvos da Operação Assepsia, deflagrada em 2012.
A ação de improbidade administrativa, na qual o MPF recorreu, tem como réus o ex-secretário de saúde de Natal, Thiago Trindade; a ex-secretária adjunta, Ilza Carla Ribas; o então procurador do município, Alexandro Magno de Souza; o administrador de fato e o representante do Ipas, Paulo Luiz Alves e Jonei Anderson Lunkes, respectivamente; além do próprio Instituto Pernambucano de Assistência e Saúde.
Contratação forjada – Para o MPF, dentre as principais irregularidades na contratação estão fraudes cometidas ao longo do processo e a conclusão de que a “situação de emergência” era falsa e foi forjada apenas para permitir a dispensa de licitação.
O recurso destaca que a situação de emergência foi “dolosamente fabricada”, pois resultou, na verdade, da falta de planejamento e de más condutas dos envolvidos. Um dos indícios, aponta, é que foram suspensas convocações de candidatos aprovados em concursos públicos (realizados em 2006 e 2008). A falta de pessoal próprio da SMS para gerir a UPA, no fim, foi um dos motivos alegados para permitir a contratação do Ipas.
Conchavo – O instituto foi selecionado antes mesmo da deflagração do processo de dispensa de licitação. Thiago Trindade confirmou em depoimento extrajudicial (prestado em junho de 2011) que houve uma reunião onde o nome do Ipas foi acordado previamente. A essa declaração se soma um e-mail enviado por Ilza Carla ao procurador Alexandre Magno, solicitando a revisão do Termo de Referência para a contratação. A secretária adjunta afirma não saber “exatamente o que foi acordado com o Ipas”, em um claro indício de que o termo foi redigido após o acordo fraudulento.
De acordo com o MPF, o Ipas “sabidamente não possuía capacidade operacional nem preenchia os requisitos necessários à qualificação como organização social”, que era necessário para a contratação. O instituto não atendia a requisitos legais, como a comprovação de experiência mínima de cinco anos. Além disso, a entidade sequer possuía sede ou filial no Rio Grande do Norte à época.
Repasses – Uma vez contratado, o Ipas recebeu adiantamento indevido de pagamento (no valor de quase R$ 1,5 milhão), equivalente a 25% do total, mesmo sem ainda ter prestado os serviços, sem uma planilha de custos e sem qualquer garantia contratual. Este fato foi apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como gerador de risco ao interesse público.
Paulo Luiz Alves, que efetivamente administrava o Ipas, era também proprietário da MV Informática Nordeste Ltda., empresa contratada pelo instituto que recebeu mais de R$ 500 mil em “serviços vagos”, como os de consultoria.
Já Jonei Anderson, representante do Ipas no RN, foi convidado por Thiago Trindade e Alexandre Magno para atuar como “consultor” na SMS, com direito a sala na sede da secretaria. Como os gestores não podiam justificar sua contratação direta, a remuneração mensal (estimada em R$ 22 mil) era paga de forma oculta, por meio da prestação de contas do próprio instituto.
Casa de praia – Um relatório de auditoria do Ministério da Saúde (MS) apontou pagamentos de despesas incompatíveis com o objeto do contrato ou realizados fora da vigência contratual. Dentre os quais gastos com gêneros alimentícios impróprios para dieta hospitalar – utilizados em uma festa de confraternização –, além de despesas com hospedagens, passagens aéreas e até mesmo a locação de uma casa de praia.
O MPF quer agora que a Justiça Federal reforme a sentença de primeira instância e condene os réus por atos previstos na Lei de Improbidade Administrativa (8.429/1992), sendo Ilza Carla por atentar contra os princípios da administração pública (artigo 11, V) e os demais por esse mesmo artigo e ainda e por causarem prejuízo aos cofres públicos (artigo 10, XII).
As sanções previstas podem incluir pagamento de multa, proibição de contratar com o poder público, devolução dos valores acrescidos ilicitamente, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.