Por Aécio Candido, professor Doutor da UERN
Um processo movido pela CUT, FETARN e SAR, pretensamente em nome dos colonos /agricultores da Serra do Mel, afeta completamente a forma adotada até hoje na exploração da energia eólica. Leva-se à Justiça um conflito que não existia há dois anos, numa relação com mais de dez anos de duração. Esse conflito tem muito de artificial. Ele não surgiu de uma relação deteriorada, mas da ousadia de alguém em construir uma sequência de teses esdrúxulas, inconsistentes, e de apostar politicamente em sua aceitação.
Os colonos, em todas as vilas da Serra do Mel, possuem suas associações, algumas das quais são parte no contrato de exploração de energia eólica. CUT, FETARN e SAR não reconhecem esses organismos como representações dos colonos. Entenderam que a relação entre a empresa e os colonos é injusta e, independentemente de os colonos concordarem com esse entendimento, fizeram-se representantes deles.
No caso, a reivindicação de justiça tem duas faces: por um lado, questiona-se o valor do aluguel das terras; por outro, questiona-se a sustentabilidade ambiental do próprio empreendimento. Até bem pouco tempo, a energia eólica era vista como energia limpa, alternativa respeitável de diversificação da matriz energética, mas agora, para alguns grupos ligados aos movimentos sociais, não é mais.
Os questionamentos relativos à sustentabilidade ambiental são muito concretos, e podem facilmente ser avaliados. Eles não fazem sentido. São afirmações falsas, delirantes, de má fé. Mas muita gente da esquerda, nesta questão específica, parece não querer saber se as acusações são verdadeiras ou falsas. Lamentável: o respeito à verdade é inegociável, e a esquerda, historicamente, tem sido vítima de acusações falsas e de meias verdades. A verdade não pode ceder à conveniência política. Quando isso acontece, o prejuízo não demora a chegar.
A justiça depende da verdade e a verdade depende de fatos. Crença sem a correspondência dos fatos é ideologia, uma das perversões mais desastrosas da política. E faltam fatos nas acusações da CUT.
Condenamos a direita, com justa razão, por agir ideologicamente, sem nenhuma consideração pelos fatos. Não houve distribuição de mamadeiras de piroca nas escolas nem está em circulação uma doutrinação de troca de gêneros, mas para os bolsonaristas houve e está, e sobre esses fatos inexistentes eles tiram conclusões perturbadoras.
O sectarismo político, tanto quanto o religioso, se institui pelo desprezo aos fatos. O sectarismo, ao eliminar o diálogo, decreta a morte da política. Os políticos do PT que aderirem a esse debate perderão capital político, dentro e fora do PT. Porque debate não existe, já que os fatos que poderiam ampliá-lo são desconsiderados. Autoridade moral se consegue com aderência a fatos.
Crispiniano Neto, jornalista e morador há 40 anos da Vila Amazonas, Serra do Mel, deu-se ao trabalho de ler o processo e de, junto com um grupo representativo de colonos, responder objetivamente a cada uma das acusações. Tem falado às pedras. É como se ninguém quisesse saber da verdade.
Uma das “fortes” acusações no processo é a existência de uma doença chamada “síndrome da torre eólica” . Essa doença se caracteriza por uma série de sintomas incômodos. Parece um argumento avassalador. Parece, mas não é, porque a tal doença simplesmente não existe. Esse grupo de colonos não encontrou nenhum registro dela nem no hospital da Serra do Mel nem em hospitais das cidades vizinhas, como Carnaubais e Areia Branca. Como pode existir uma doença que não deixa rastro? A conclusão, na lógica mais comezinha deveria se impor: se uma doença não se materializa, ela não existe, foi criada pela mente fértil e interessada de alguém.
O Saiba Mais , em Natal, e o Boca da Noite , em Mossoró, veículos de imprensa alinhados à esquerda, divulgaram reportagens em que a única fonte de dados foi o próprio processo, embora, aparentemente, não tenha sido lido. Não há nas matérias nenhuma referência ao contraditório, como se a questão gozasse de amplo e absoluto consenso. Os redatores pensaram assim: se a CUT, a FETARN e o SAR estão dizendo isso, estão é verdade. Este é um esquema lógico manjado, conhecido pelo nome de “argumento de autoridade” . Tomar um discurso único como fonte absoluta da verdade é sucumbir a esse tipo de argumento. Ora, foi cavalgando argumentos de autoridade que o stalinismo sepultou a ideia de socialismo real, talvez para sempre. A boa informação deve ter uma amplitude maior do que um informante único.
Em relação a este assunto, considero-me um observador imparcial: convivo com o fenômeno, posso vê-lo facilmente, e não ganho absolutamente nada em não vê-lo como ele é. Durante pelo menos dois meses por ano, vivo a 300 metros de duas turbinas eólicas. Eu seria o paciente ideal para a “síndrome da torre eólica ”. Sou chato para dormir, preciso de silêncio absoluto para conciliar o sono. Mas as torres a 300 metros não me perturbam, embora durma num quarto de primeiro andar, sem forro. O que me perturba são os paredões de som na praia, vez por outra na madrugada. A perda de sono faz parte do pacote da “ síndrome da torre eólica” . O impacto sobre a população de abelhas e pássaros também.
A este respeito, também posso dizer alguma coisa: a presença de abelhas, à procura de água na área de serviço da casa ou de néctar nas flores da vegetação rasteira do quintal, não sofreu nenhuma diminuição por causa das eólicas. Neste mês de julho, fui picado algumas vezes por elas, ao trabalhar no quintal, e minha irmã quase diariamente tinha alguma história pra contar a respeito da presença delas no tanque de lavar roupas. Quanto aos pássaros, mais de uma dezena de espécies anima a vida dos alpendres, do amanhecer ao final do dia.
Se condenamos tanto fake news , por que usar a mentira como base de argumentação?
Aécio Cândido é ex-colono da Vila Amazonas. Professor Doutor aposentado da UERN e atual professor convidado de um Doutorado da UFRN.
Ex-vice-reitor e ex-pró-reitor de pesquisa da UERN.
Atualmente mora em Natal e tem casa na Praia do Cristóvão, Areia Branca.
É presidente do CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO Do RN.