Os sinais emitidos pelo Brasil nas últimas semanas, tanto na COP quanto na condução de sua política energética interna, revelam uma encruzilhada estratégica. Ou seguimos insistindo em uma espécie de monocultura energética, guiada quase exclusivamente pelos interesses do agronegócio, ou finalmente abraçamos uma integração inteligente das nossas diversas e abundantes fontes, reconhecendo a vocação de cada território do país.
A ausência do Ministério de Minas e Energia nos debates mais relevantes da COP foi sintomática. A insistência em slogans como “matriz mais limpa”, “gigante pela própria natureza” ou “Arábia Saudita dos biocombustíveis” já não convence um mundo que enfrenta transformações profundas e acelera sua transição tecnológica com pragmatismo e método. São expressões de efeito interno, mas que não sustentam conversas maduras em fóruns internacionais.
Esse distanciamento se somou a um movimento abrupto e revelador: o recuo do Brasil, em menos de vinte e quatro horas, da proposta global para eliminação de motores a combustão em veículos pesados a partir de 2040. A pressão veio do lobby dos agrocombustíveis, que mostrou quem hoje dita o ritmo e o alcance da política energética nacional. Está claro agora que o setor de renováveis está bem afastado do centro das decisões estratégicas. Igualmente o “Big Oil”, utilitariamente demonizado por setores que ainda não compreenderam que a transição energética passa por envolver, e não excluir, os grandes operadores globais, que estão conduzindo sua metamorfose tecnológica com volumes de investimento inéditos.
A Petrobras, por sua vez, parece navegar em águas turvas. Parcerias promissoras com empresas líderes na transição energética, como Shell e Equinor, foram colocadas em suspenso. Enquanto isso, a aproximação com a Exxon na Foz do Amazonas não apresenta até o momento justificativas claras ou vantagens estratégicas para o país. Em que medida isso fortalece nosso posicionamento global? Onde está a coerência territorial e tecnológica que guiava a Margem Equatorial? São perguntas que permanecem sem resposta.
No entanto, o ponto crucial é regional. O Brasil tem tentado forçar um caminho único, como se o país inteiro fosse uma extensão produtiva do Centro Sul Sudeste, impondo soluções que atendem sobretudo às demandas do agronegócio. Essa visão ignora que existem regiões onde o agro não pode expandir, onde não faz sentido expandir e onde jamais será competitivo ou ambientalmente sustentável.
E justamente nessas regiões, no Norte e no Nordeste, estão nossos maiores trunfos para o futuro: energia eólica de classe mundial, solar abundante, hidráulica regional, ventos constantes, irradiação elevada e território vasto para abrigar data centers, eletrólisadores, indústrias intensivas em energia limpa e cadeias produtivas de hidrogênio e amônia verde. São regiões que poderiam liderar a eletrificação da economia brasileira, atrair investimentos globais e construir prosperidade duradoura.
Em vez disso, estão sendo relegadas a segundo plano, penalizadas e até mesmo sabotadas em sua capacidade de investir e gerar riqueza regional. É um desperdício estratégico que o Brasil não pode mais se permitir.
A verdadeira transição energética não é monolítica, nem concentrada em uma única rota tecnológica, nem capturada por um único setor econômico. Ela é plural, territorialmente justa e orientada por inteligência estratégica. Ninguém precisa perder para que o conjunto ganhe. Cada fonte, cada região e cada vocação tem seu espaço próprio, contribuindo para um mosaico energético forte, soberano e competitivo.
O Brasil só tem a ganhar com uma integração inteligente das suas fontes e territórios. A escolha está posta. E o momento de fazê la é logo.
Jean Paul Prates é Mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e Mestre em Economia da Energia pela IFP School (Paris). Foi presidente da Petrobrás (2023–2024) e Senador da República (2019–2023).