Por Jean Paul Prates
A recente decisão do governo Trump de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros marca um novo capítulo na já instável relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. Embora o gesto seja interpretado por muitos como uma retaliação política, o desenrolar dos últimos dias aponta para algo mais complexo: uma negociação estratégica, de múltiplas frentes, que coloca em jogo desde minerais críticos até plataformas digitais e produções culturais.
O contexto político nos EUA sugere que o chamado “tarifaço” tenha sido concebido, em grande medida, para fins de mobilização interna. A medida atinge um parceiro comercial que, na prática, oferece superávit à balança americana – o que contradiz qualquer justificativa puramente econômica. Além disso, surge em meio ao silêncio de Washington sobre a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que indica um recuo na retórica ideológica em favor de uma nova abordagem pragmática.
A ligação telefônica entre Lula e Trump, descrita como “positiva”, e a escolha de Marco Rubio como interlocutor do lado norte-americano, sinalizam um canal de negociação aberto.
O Brasil, por sua vez, tem demonstrado disposição para discutir demandas estratégicas dos EUA – sem, contudo, abrir mão de sua soberania ou do diálogo com os setores produtivos nacionais.
Está claro que os Estados Unidos têm profundo interesse em acessar os minerais estratégicos brasileiros: lítio, grafita, silício, terras-raras. Esses insumos são essenciais para as cadeias globais de energia limpa, mobilidade elétrica e alta tecnologia. O Brasil não se opõe a discutir esse tema – mas a lógica que guiará esse debate será a da reciprocidade.
Negociar o acesso a essas riquezas deve envolver contrapartidas reais: investimentos diretos, transferência de tecnologia, industrialização local e respeito ao meio ambiente. Não se trata apenas de abrir a porteira, mas de reposicionar o Brasil como um ator estratégico no suprimento global de insumos do futuro.
Outro ponto sensível nas conversas é a pressão americana por maior acesso a serviços digitais e culturais: redução de taxas sobre streaming, filmes, bebidas, etanol e até mudanças em normas de importação e propriedade intelectual.
Embora o Brasil esteja aberto a discutir aprimoramentos, é essencial garantir que isso não resulte em uma assimetria que prejudique nossa cultura, nossa produção nacional e nosso espaço digital. O fortalecimento de nossas leis de dados, regras da Anatel e incentivos à produção local são elementos de soberania que não podem ser objeto de barganha direta.
Talvez o ponto mais delicado seja a manutenção, por parte dos EUA, de sanções contra autoridades brasileiras, como o ministro Alexandre de Moraes. Mesmo que tenham perdido espaço na retórica oficial, tais medidas são inaceitáveis e incompatíveis com qualquer tentativa de reaproximação verdadeira. Representam uma interferência indevida no funcionamento das instituições democráticas do Brasil e devem ser revogadas sem condicionantes.
Dado o cenário, projeta-se uma negociação em três tempos:
1. Curto prazo: revogação seletiva de tarifas em setores com menor impacto político e maior pressão empresarial interna nos EUA (como celulose e ferro-níquel, já isentos recentemente).
2. Médio prazo: construção de um acordo mais amplo envolvendo minerais, comércio digital e concessões tributárias.
3. Longo prazo: institucionalização de regras claras para evitar novas sanções unilaterais e fortalecer a previsibilidade na relação bilateral.
O Brasil está preparado para negociar – mas não para ceder a pressões arbitrárias. Nossa diplomacia deve combinar firmeza e pragmatismo, ouvindo os setores produtivos, defendendo nossa cultura e colocando nossas vantagens estratégicas a serviço de um modelo de cooperação justa e soberana.
Este é o momento de reafirmar o Brasil como potência confiável, pacífica e imprescindível no tabuleiro global.
Jean Paul Prates é Mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e Mestre em Economia da Energia pelo IFP School (Paris). Foi presidente da Petrobrás (2023–2024) e Senador da República (2019–2023).